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Fila de Transplante e Doação de Córnea

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Doação e fila de transplante de córnea no Estado do Rio de Janeiro

Donation and waiting list for corneal transplantation in the State of Rio de Janeiro

Gustavo Bonfadini1,

Victor Roisman1, Rafael Prinz2, Rodrigo Sarlo3, Eduardo Rocha4, Mauro Campos5

1- Banco de Olhos do Rio de Janeiro – INTO, Rio de Janeiro (RJ), Brasil;

2 -Divisão de Transplantes de Multitecidos – INTO, Rio de Janeiro (RJ), Brasil;

3 -Programa Estadual de Transplante, Rio de Janeiro (RJ), Brasil;

4 -Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil;

5- Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

Recebido para publicação em 10/02/2014 – Aceito para publicação em 23/03/2014.

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo descrever o processo de doação, captação, fila de espera e transplante de órgãos e tecidos como uma das políticas de saúde no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro, com ênfase nos procedimentos relativos aos transplantes de córnea. A baixa notificação de possíveis doadores e a alta taxa de negativa familiar na doação associado ao insuficiente número de córneas disponibilizadas por Banco de Olhos são os principais fatores que limitam o aumento do número dos transplantes de córnea no Brasil. A criação do Banco de Olhos do Rio de Janeiro, associado a politicas que estimulam o aumento da notificação e captação de córneas, visa diminuir a fila de espera para transplante de córnea no Estado.

Descritores: Córnea; Transplante de córnea; Banco de olhos; Listas de espera; Doadores de tecidos, Ceratoplastia; Gestão em saúde

ABSTRACT

 

This paper aims to describe the process of organ and tissue donation, tissue harvesting, queue and transplants as a health policy in Brazil and in the State of Rio de Janeiro, with emphasis on procedures for corneal transplantation. The low reporting of possible donors associated with a high rate of negative family in donation, associated with the insufficient number of corneas provided by Eye Banks are the main factors limiting the increase in the number of corneal transplants in Brazil. The creation of the Rio de Janeiro Eye Bank associated with policies that encourage increased reporting and collection of corneas aims to reduce the waiting list for corneal transplantation in Rio de Janeiro State.

Keywords: Cornea; Corneal transplantation; Eye bank; Waiting lists; Tissue donors; Keratoplasty; Health management

Rev Bras Oftalmol. 2014; 73 (4): 237-42

INTRODUÇÃO

 

As doenças corneanas são a segunda causa de cegueira reversível no mundo. O transplante de córnea é o procedimento de maior sucesso entre os transplantes e tem sido o mais realizado na atualidade.1

O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 20102 apurou que a deficiência visual é a deficiência física mais citada no Brasil, com 35,7 milhões de brasileiros afetados numa população de 190 milhões de habitantes. As doenças da córnea representam importante causa de perda da capacidade visual, podendo levar a consequências psicológicas e econômicas para o indivíduo e sociedade.3

O Brasil possui o maior sistema público de transplantes do mundo, em 2012 realizaram-se 15.281 transplantes de córnea no Brasil, e estima-se que a necessidade Brasileira anual seja de 17.168 transplantes.4 Em outubro de 2013 a lista nacional de espera por um transplante de córnea para a reabilitação visual no Brasil era de 7.245 pacientes.5

O Estado do Rio de Janeiro produz o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) nacional, possui população estimada de 15.993.583 pessoas.6

Em novembro de 2013, a lista no RJ era de 823 pacientes a espera de um transplante, cerca de 52 por milhão de população (pmp).

Este trabalho apresenta uma revisão sobre legislação, aspectos do processo de doação, captação e distribuição de tecido ocular, assim como a fila de transplantes de córnea no Estado do Rio de Janeiro.

 

Marcos legais e estrutura da política do transplante de órgãos e tecidos no Brasil

Inscrição na fila de transplante de córnea: para que o paciente seja inscrito deve procurar ou ser encaminhado a uma equipe de transplantes autorizada pelo Ministério da Saúde que irá representá-lo e inscrevê-lo junto ao sistema informatizado de gerenciamento (SIG), o qual é coordenado pelo sistema nacional de transplantes (SNT). Essa inscrição gera automaticamente um número de registro denominado registro geral de cadastro técnico ou simplesmente RGCT. Esse número é muito importante, pois, identifica o paciente no cadastro técnico único e, por meio dele, podem ser obtidas informações tais como a situação na lista de espera, etc.

Distribuição de córneas: a distribuição de córneas e outros tecidos oculares é feita pelas centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos (CNCDOs) estaduais. A lista de espera de transplante de córnea é única por Estado, o critério é cronológico, obedecendo o tempo decorrido da inscrição, como determinado na portaria GM nº 3.407 de 5 de agosto de 1998. Esta mesma portaria determina os critérios de urgência, ou seja, as situações onde a distribuição do tecido é priorizada. São elas: 1- perfuração do globo ocular; 2- iminência de perfuração de córnea – decemetocele; 3- receptor com idade inferior a sete anos que apresente opacidade corneana bilateral; 4- úlcera de córnea sem resposta a tratamento clínico; 5- falência primária, até o nonagésimo (90o) dia consecutivo a realização do transplante, da realização do transplante com córnea viável para transplante óptico. Os casos não previstos na portaria deverão ser avaliados e autorizados pela câmara técnica de transplante de córnea do estado correspondente.

Ressalta-se que, em situações de priorização, o botão do receptor deve ser encaminhado ao banco de olhos que ofereceu o tecido. É responsabilidade do banco de olhos enviar o tecido para comprovação do diagnóstico com estudo anatomopatológico.

Marcos legais: a obtenção de órgãos e tecidos para transplante no Brasil é normatizada pela Lei 9.434/97, conhecida como Lei dos transplantes, que trata das questões legais relacionadas à remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, e determina as sanções penais e administrativas pelo não cumprimento da mesma. O Decreto-lei no 2.268/97 cria o (SNT) e as CNCDOs com implantação em todos os estados do Brasil, descentralizando o processo de doação-transplante e definiu a doação presumida como forma de consentimento.

As CNCDO´s ou “centrais de transplantes” são as unidades executivas das atividades do SNT, responsáveis por coordenar as atividades de transplantes; promover a inscrição de potenciais receptores, com todas as indicações necessárias à sua rápida localização e à verificação de compatibilidade do respectivo organismo para o transplante ou enxerto de tecidos e órgãos; classificar os receptores e agrupá-los em ordem estabelecida pela data de inscrição, fornecendo-lhes o necessário comprovante; comunicar ao órgão central do SNT as inscrições que efetuar para a organização da lista nacional de receptores; receber notificações de morte; determinar o encaminhamento e providenciar o transporte de tecidos e órgãos retirados ao estabelecimento de saúde autorizado em que se encontrar o receptor ideal.7

Na doação presumida, o cidadão contrário à doação, necessitava registrar a expressão “Não doador de órgãos e tecidos” em algum documento de identificação, (RG) ou carteira nacional de habilitação (CNH). Logo, todo brasileiro que não registrasse essa negativa em vida era considerado um potencial doador.

A doação presumida não encontrou respaldo na sociedade brasileira e, por isso, posteriormente foi publicada a medida provisória no 1.718 de 06 de outubro de 1998, que tornou obrigatória a consulta familiar para autorização de doação de todos os “doadores presumidos”, o que já ocorria na prática. Assim, a lei no 10.211, publicada em março de 2001, definiu o consentimento informado como forma de manifestação à doação; passando “a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, depender da autorização do cônjuge ou parente maior de idade, obedecida à linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmado em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”. A lei brasileira é clara e exige o consentimento da família para a retirada de órgãos e tecidos para transplante, ou seja, a doação é do tipo consentida.

O regulamento técnico que define os critérios técnico-sanitários mínimos para atuação dos bancos de tecidos oculares (BTOC) é a resolução de diretoria colegiada (RDC) – RDC/Anvisa n.67, de 30 de setembro de 2008 e dos bancos de tecidos músculo esqueléticos é a RDC/Anvisa n. 220, de 27 de dezembro de 2006.

Os bancos de olhos têm responsabilidade de captar, processar, avaliar, classificar, armazenar e distribuir tecidos oculares e devem atender às exigências legais para sua instalação e autorização de funcionamento.8

Processo de doação de córneas para transplante

A identificação dos potenciais doadores se dá por meio da notificação passiva e da busca ativa. Todo paciente que vai a óbito entre 02 a 80 anos em até 06 horas após a parada cardiorrespiratória, ou 24 horas, se todo o corpo estiver em câmara refrigerada, constitui um potencial doador de tecidos oculares para transplante, não sendo necessário que o paciente esteja em morte encefálica. As pálpebras do doador devem ser mantidas fechadas para evitar o ressecamento da córnea por exposição à luz. O procedimento pode ser realizado fora de ambiente hospitalar (necrotério, casa do doador). O tempo máximo de preservação extracorpórea da córnea é de 14 dias. A notificação dos potenciais doadores é obrigatória por lei, devendo ser avisados à CNCDO e ao banco de olhos responsável pela área de abrangência.7,9

De acordo com a RDC 6710, há a exigência legal de captação de tecido ocular apenas nas primeiras 06 horas de óbito. A Associação Americana de Banco de Olhos (Eye Bank Association of America – EBAA) em seu protocolo11,12, não determina tempo de óbito para captação das córneas, a orientação é de utilizar bolsa de gelo na área orbitária, sobre as pálpebras para estender o tempo máximo para a enucleação, em uma tentativa de diminuir os danos ao tecido ocular causados pelas toxinas formadas naturalmente no corpo após a morte.

O limite legal de tempo de captação de córneas no Brasil é um fator para que muitas córneas sejam recusadas para doação, o que contribui para aumentar ainda mais o tempo de espera por um transplante de córnea. O limite de seis horas após o óbito para captação das córneas muitas vezes não é suficiente. Este tempo normalmente é excedido por vários motivos, sejam eles por parte da família que nem sempre se encontra junto ao doador no momento da sua morte, ou necessita de mais tempo para avaliar e autorizar a doação, sejam eles por parte de logística para chegada da equipe de captação até o local do óbito.

Organização de procura de órgãos (OPO), Organização de procura de córneas (OPC): são entidades sem fins lucrativos, que atuam em parceria com as CNCDO, de forma regionalizada para detecção de doador potencial, constituído por um ou mais hospitais de sua área territorial de atuação. Realizam a busca ativa, que corresponde a visita às unidades de terapia Intensiva, pronto-socorros e necrotérios dos hospitais, realizada por enfermeiro ou médico. Nessa visita, o profissional deve identificar-se à equipe multiprofissional, explicar o motivo da visita, a importância do seu do trabalho e, sempre que possível, fornecer mate- rial informativo sobre o processo de doação-transplante.

Comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplante (CIHDOTT): comissão interna de cada hospital que permite uma melhor organização do processo de captação de órgãos, melhor identificação dos potenciais doadores, mais adequada entrevista de seus familiares, melhor articulação do hospital com a respectiva CNCDO, o que, por fim, viabilizam uma ampliação qualitativa e quantitativa na captação de córneas.

No processo de doação-transplante, observa-se que um conjunto de ações e procedimentos interligados que conseguem transformar um potencial doador em doador efetivo, concluindo o processo com o transplante (figura 1).

Transplante de córnea no Estado do Rio de Janeiro

Entre os anos de 2006 e 2009 a média de transplantes de córnea realizados no Rio de Janeiro foi de 74 por ano (Figura 2), neste período o Estado ficou mais de um ano sem nenhum banco de olhos em funcionamento, recebendo córneas de outros Estados ou de fora do país.

No inicio de 2010 foi criado o programa estadual de transplantes (PET)com a missão de coordenar o processo de doação e transplantes de órgãos e tecidos no Estado do Rio de Janeiro, com as atribuições de CNCDO´s e de definir a política de transplantes.

O PET atua na formação continuada de médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais além de prover cursos para cada etapa do processo: detecção de doadores, aspectos legais, entrevista familiar, aspectos de organização, gestão e comunicação. Com o objetivo de informar à população, está disponível o disque-transplante (155) e o site próprio (www.transplante.rj.gov.br), onde há um canal para comunicação (fale conosco), dentre outros serviços relacionados a transplantes no Estado.

O PET auxilia ativamente na implementação e organização das OPO/OPC e CIHDOTT no Estado, com isso espera-se um aumento do número de notificações de potenciais doadores e captação de córneas, possibilitando maior agilidade no atendimento à lista de espera.

Desde 2010 houve aumento nas doações, com número de doadores por milhão de população (pmp) de 8,7 (2009) para 15 (2012) em 3 anos de programa, esses dados são superiores a países como: Alemanha, Dinamarca, Suécia, Austrália e Japão.

Em agosto de 2010 foi inaugurado o banco de tecido ocular Pedro Sélmo Thiesen (banco de olhos de Volta Redonda), localizado no Hospital São João Batista (HSJB), a 130Km da cidade do Rio de Janeiro. Esta ação aumentou o número de captações e transplantes realizados, porém mostrou-se insuficiente para a resolução do tempo de espera por um transplante de córnea no Estado.

Com objetivo de facilitar a logística e aumentar a captação de córneas, reduzindo a fila de transplante de córnea no Estado, o PET e o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO) desenvolveram o projeto de construção de um Banco de Olhos público na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro.

Criação do banco de olhos do Rio de Janeiro – INTO

O Banco de Olhos do INTO iniciou suas atividades oficial- mente em setembro de 2013, a partir da sua regulamentação pelo Ministério da Saúde. Está instalado nas dependências da Divisão de Transplantes de Multitecidos (DITMT-INTO) e segue tanto os padrões internacionais, como também os nacionais, ou seja, o Regulamento Técnico Nacional de Transplante e a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC 67)10 da Agência Na- cional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a captação e a preservação de córneas, e baseados nas normas da Associação Americana de Bancos de Olhos (EBAA)11.

O banco de olhos do INTO é responsável pelos processos de captação, remoção e processamento dos tecidos corneanos, enquanto, em conjunto com a CNCDO-RJ/PET, realiza a remoção e o processamento em quase todos os hospitais da região metropolitana do Rio de Janeiro e norte do Estado.

A melhor organização dos bancos de olhos proporcionou um aumento na captação e na preservação de córneas. A utilização de tecido doado meticulosamente selecionado graças ao desenvolvimento do microscópio especular para Banco de Olhos e da contagem de células endoteliais, além do melhor conhecimento da fisiologia corneana, do uso de fios de sutura maleáveis e de novas técnicas cirúrgicas de transplante, possibilitaram a este procedimento sua realização rotineira e bem- sucedida13.

O INTO é uma instituição com sistema de controle de qualidade acreditado pela Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations, que confere um selo de qualidade pelas boas práticas médicas e padrões rígidos de segurança e eficiência realizados no hospital.

Os tecidos humanos com possibilidade de transplante são córnea, esclera, osso, cartilagem, tendão, menisco, fáscia, válvula cardíaca, pele, vasos e ammion (membrana amniótica). Atualmente o banco músculo-esquelético e o banco de olhos do INTO fazem parte do único Banco de Tecidos (tecido ocular e musculo esquelético) em funcionamento pleno no país14. [Comunicação interpessoal ANVISA].

No projeto do banco de tecidos INTO, haverá também a criação do banco de pele e válvula cardíaca, beneficiando pacientes de diversas subespecialidades médicas do país.

DISCUSSÃO

Os Estados Unidos da América (EUA) é o país com maior número absoluto de transplantes de córneas. O Brasil, apesar de realizar um número expressivamente menor, apresenta significativa evolução anual (tabela 1 e 2). Nos EUA os pacientes pagam pelos custos de processamento das córneas e transplantes diretamente ou por meio de planos de saúde, excetos os muito pobres, que são financiados pelos programas governamentais assistenciais (Medicare e Medicaid).

De acordo com o SNT, o Brasil possui hoje o maior programa público de transplantes de órgãos e tecidos do mundo14. O sistema público de saúde financia mais de 95% dos transplantes realizados no Brasil e também subsidia parte dos medicamentos imunossupressores para todos os pacientes.

A política nacional de transplantes de órgãos e tecidos tem como diretrizes a gratuidade da doação, a beneficência em relação aos receptores e não maleficência. Estabelece também garantias e direitos aos pacientes que necessitam desses procedimentos, e regula toda a rede assistencial por meio de autorizações e re-autorizações de funcionamento de equipes e instituições. Toda a política de transplante está em sintonia com as Leis nos 8.080/1990 e 8.142/1990, que regem o funcionamento do sistema único de saúde (SUS)15.

No Brasil todo o custo de entrevista familiar, captação, processamento pelo banco de olhos é pago pelo SUS; o paciente em hipótese alguma pagará por uma córnea. Quando optar por realizar a cirurgia fora da rede credenciada do SUS, poderá utilizar o seu plano de saúde ou pagar pela cirurgia em caráter particular.

O total de transplantes de córneas no Brasil corresponde a cerca de 75% de todos os transplantes de órgãos realizados no país16. O número nacional de transplante de córneas de 73,3 por milhão de população (pmp), está próximo da obtenção do objetivo de 90 transplantes (pmp) para a “fila zero” em transplante de córnea no país.

Porém, o tempo de espera e número de pacientes inscritos para um transplante de córnea difere substancialmente entre os 27 estados. Destacam-se, com mais de 100 transplantes (pmp), os estados do Distrito Federal, São Paulo, Goiás, e Pernambuco. Entretanto, seis estados ainda realizam menos do que 30 transplantes (pmp), Bahia, Pará, Acre, Rio de Janeiro, Alagoas e Maranhão. Outros quatro não realizam transplantes, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins17.

Apesar do aumento do número de transplantes de córneas no Brasil, ainda existem discrepâncias regionais que necessitam ser resolvidas. O grande número de transplantes concentrados em poucos estados em comparação com outros estados também populosos da Federação deve ser observado atentamente. Esta discrepância gera uma injustiça social inaceitável. Enquanto os cidadãos abonados podem viajar à procura de seu transplante mais rápido com uma fila menor, os pacientes sem condições financeiras devem esperar indefinidamente por uma córnea para seu transplante. O cenário ideal, é que possamos captar córneas e realizar transplantes de maneira equitária em todos os Estados da Federação, oferecendo a cirurgia pelo SUS a todos os cidadãos18.

As estatísticas escondem um quadro ainda mais dramático, já que é pouco provável que em alguns estados não haja um único paciente que necessite de transplante de córnea, e provavelmente em regiões distantes dos grandes centros urbanos ocorra uma demanda reprimida decorrente das dificuldades de acesso à assistência médica até que os pacientes possam ser inscritos nas filas estaduais de transplante.

No Brasil, de cada oito potenciais doadores, apenas um é notificado10. Em 2013, dados até o momento demonstram que no Brasil a taxa de notificações de potenciais doadores foi de 46,0 por milhão de população (pmp), no estado do RJ esta taxa foi acima da média nacional, 53,1 (pmp), porém ainda com uma taxa elevada de recusa familiar de 50%20.

A entrevista familiar é uma das etapas de maior complexidade no processo de doação de córneas, envolvendo aspectos éticos, legais e emocionais. A entrevista requer preparo por parte do profissional da captação, para elucidar dúvidas, compartilhar sentimentos e viabilizar o processo de doação. Para que a família possa tomar uma decisão sobre a doação de forma coerente e autônoma, faz-se necessário, além da informação, o esclarecimento de todo o processo de doação e suas implicações.

Entre os principais obstáculos estão os problemas logísticos como número insuficiente de notificações, com elevadas taxas de negativas familiares, motivadas por diversos fatores, como a não-compreensão do conceito de morte encefálica, a ideia da deformação do corpo após a cirurgia de retirada do globo ocular (enucleação), o medo de comercialização dos órgãos e o não conhecimento do sistema de distribuição e alocação dos órgãos e tecidos21.

Há evidências de que o consentimento para a doação de córnea é menor do que para os órgãos. Um estudo retrospectivo realizado nos Estados Unidos apontou que em cerca de 10.000 óbitos, 46,5% das famílias abordadas aceitaram doar múltiplos órgãos e apenas 23,5% consentiram na doação de córneas22.

As preocupações e a falta de entendimento sobre o processo de doação de córneas normalmente não são resolvidas apenas com campanhas públicas de conscientização. Uma postura adequada do profissional de saúde em relação à doação de córneas pode agilizar o processo doação-transplante através do conhecimento. O aumento do conhecimento dos profissionais de saúde sobre doação e transplante de órgãos e sua capacitação para disseminar essas informações pode resultar num aumento do número de doadores.

Recentemente foi promulgada no RJ a lei nº 6.584/13, que determina a prioridade de atendimento para a família dos doadores falecidos de órgãos e tecidos em todas as instituições do Poder Executivo Estadual, em dependências policiais e seus respectivos órgãos técnico-científicos, bem como hospitais, postos de saúde e serviços funerários, devendo os mesmos afixar, nas entradas e nas áreas de atendimento ao público, em local de fácil visualização, placa informativa, com os seguintes dizeres em letras grandes: “Prioridade de atendimento aos familiares e doadores de órgãos e tecidos neste órgão.”

Sabemos que para alcançarmos o status de “fila zero” no estado do Rio de Janeiro há necessidade de identificar de forma constante e agir com dinamismo nos principais problemas enfrentados pelas equipes de captação, assim como a realização dos transplantes de córnea de forma célere nos sistemas público e privado; estimular a doação de córneas; estimular a captação de córneas; identificar as razões de um número maior de transplantes não serem realizados; e melhorar os índices de aproveitamento do tecido captado.

A atual situação desigual é resultado de pré-condições arraigadas na história da nossa sociedade, ao longo das décadas em que se deram a conformação desse tecido social. Nosso sistema de saúde é coletiva e diariamente construído por nós. Ele é, simultaneamente, causa e efeito de nossas desigualdades socioeconômicas e sanitárias, então, ele pode ser remediado.

A doação e alocação de órgãos e tecidos é um processo trabalhoso e delicado que depende do crédito da população no sistema e do comprometimento dos profissionais de saúde na notificação de morte. O Brasil é o segundo país do mundo em número de transplantes e, para consolidar essa conquista, é crucial a atuação do Ministério da Saúde, dos governos estaduais e das entidades médicas em todo o processo de doação e transplantes5.

REFERÊNCIAS

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